GLÓRIA
Extraordinária
professora, grande avaliadora da aprendizagem de seus alunos.
Glória,
professora em três escolas particulares de excelente padrão, como a maior parte
das pessoas que conhecia adorava se avaliar. Não que fosse vaidosa, mas sabendo
o valor de uma boa impressão, jamais saía de casa sem se cuidar diante do
espelho, na seleção das roupas e no cuidado com calçados e tudo mais essencial
a quem sempre foi elegante. Mais ainda, Glória não saia de casa sem avaliar se
portas e janelas estavam trancadas, se os eletrodomésticos estavam desligados e
não havia descuido das coisas no lugar que deveriam estar. Avaliava também seu
automóvel, dirigia com cuidado avaliando manobras, caminhos e distâncias e, ao
chegar à escola, avaliava sem nem mesmo perceber que avaliava seus diários de
classe, seus livros e, é claro, seus colegas e suas amigas. Com não abria mão
da importância de persistente e contínua avaliação, avaliava também seus
alunos.
Nunca
confundia “prova” com “avaliação”, pois sabia que a mesma era circunstancial e
a avaliação atitude reflexiva, consciente e permanente. Mostrava a todos que
não existe educação verdadeira que não se preocupa com o progresso de seus
alunos e nesse sentido mostrava-se menos preocupada com resultados numéricos
deste ou daquele e bem mais com sua evolução, ainda que lenta e progressiva, ao
estudar, fazer tarefas, trabalhar em grupo, apresentar lições, enfim,
participar plenamente das aulas. Orgulhava-se, sem qualquer presunção, de que
não bastava ser boa professora, mas era essencial ser também uma professora
completa e isso incluía avaliar continuamente e avaliar muito bem.
Para não
esquecer todos os princípios de deveriam nortear a avaliação que fazia, criou
algo como um acróstico, fazendo com que cada uma das cinco letras de seu
primeiro nome a lembrasse dos critérios com que aferia, um a um, o progresso de
seus alunos.
Por esse
motivo, com a letra “G” de Glória destacava que toda avaliação deveria ser
“Global” e, dessa forma, acompanhar os avanços ou recuos de cada aluno, seus
interesses e suas motivações. Com a letra “L” esforçava-se muito para produzir
uma avaliação “Libertadora”. Dizia sempre que “progredir é se libertar” e que
não pode existir liberdade verdadeira para quem não cresce com os conteúdos
conceituais que domina e os incorpora ao seu cotidiano, com as competências que
na escola se aprendia para na vida exercer e para as habilidades com as quais
se emoldura essas competências. Lembrava que as competências essenciais eram
“saber fazer, decidir e resolver” e que estas requeriam habilidades que davam
qualidade e requinte a esses verbos.
Com
terceira letra de seu nome “O” Glória buscava sempre que seus critérios de
avaliação fossem “Otimistas” e, por isso mesmo, buscava em todas as linguagens
de seus alunos a sua prosperidade, verdadeiramente “garimpava” em suas ações
nos textos, nos discursos, nas aulas, nas provas e nas lições a sempre almejada
evolução. Sabia que uma avaliação Global, Libertadora e Otimista
inevitavelmente desembocaria em uma avaliação “Reveladora” dessa forma
contemplando a quarta letra do seu nome. Uma avaliação com essa essência
buscava pontos fracos para mudar, falhas ainda que pequenas para aprimorar. Um
cuidado que Glória jamais omitia era que seus alunos pudessem dispor de
avaliação “Integradora” e assim olhava com cuidado a diversidade culturas da
classe, a bagagem linguística que traziam e, sobretudo, sua situação de aluno
novo ou antigo, integrado aos colegas ou em busca ansiosa dessa integração.
Glória
jamais deixou de estudar o tema da avaliação e não havia artigo ou tese, livro
ou ensaio que não buscasse procurando sempre associar cada descoberta às letras
de seu acróstico. Sabia que sua avaliação era verdadeiramente “Apaziguadora” e,
por isso, seus alunos a recebiam sem medo, anseio ou tensões, antes descobrindo
em cada erro não a vergonha, mas a busca de acerto.
A única
tristeza de Glória em seu lindo trabalho era perceber que em alguns de seus
colegas a preocupação avaliadora se distanciava do cuidado pedagógico,
acreditando apenas em provas e em resultados como se cada aluno representasse
quase nada a mais que um bilhete de loteria.
VYGOTSKY E
A SUTILEZA DO “MÁXIMO” E DO “ÓTIMO”
O “máximo”
é o maior de todos. Adjetivo que qualifica aquele que não tem rival. O
“’ótimo”, bem mais modesto, representa apenas o muito bom, o melhor possível.
Se me
perguntarem se prefiro uma lembrança que é o “máximo” ou uma que será “’ótima”,
creio que ficarei com a primeira, pois uma ótima lembrança poderá se equiparar
a outras lembranças ótimas, mas jamais chegará aos pés de uma lembrança que,
sendo o máximo, será inigualável, aquela que jamais poderá admitir comparações.
Mas, se
existe essa hierarquia entre esses adjetivos e na mesma o máximo sempre se
colocará acima do ótimo, também existe entre eles uma diferença crucial: o
“máximo” é de uso coletivo e se é o maior, sempre discriminará os demais,
enquanto que por sua vez o “ótimo”, pode abrigar um sentido pessoal. Meu ótimo
de apetite, ou de sono, não é igual ao seu, ainda que ambos sejam
satisfatórios. Se um ditador maluco impusesse um apetite máximo, obrigatório a
todos, faria com que muitos fossem obrigados a se empanturrar além da conta e
outros passassem fome; afinal o máximo para um não necessita ser
necessariamente o máximo para outro; mas as coisas se abrandariam caso se
decretasse um “apetite ótimo”, pois nesse caso, cada um consumiria as efetivas
necessidades de seu corpo.
Transpostas
para a sala de aula e voltadas para a avaliação da aprendizagem, ainda uma vez
os conceitos de “máximo” e de “ótimo” mostram realidades diferentes. Avaliar o
desempenho dos alunos por um paradigma “máximo” significa estabelecer os
limites que se deseja a todos, excluindo os que não o alcançarem. É esta a
essência da avaliação somativa que se vê na maior parte das escolas do país.
Nessas escolas, cada nota igual expressa valor igual e assim existem notas dos
alunos bons e notas dos alunos fracos; existe a ingênua crença de que pessoas
diferentes podem expressar resultados iguais. Prevalece a ideia de que existe
um degrau que quem não o alcançou deve submeter-se ao reconhecimento de sua
óbvia inferioridade.
Foi para
muito além do reducionismo doentio dessa avaliação que caminhou Vygotsky. Ao
mostrar que a verdadeira avaliação é aquela que se inspira no progresso efetivo
de cada um e que este difere de um para outro, enfatizava que uma verdadeira
aprendizagem deve buscar o ótimo, jamais o máximo, e que o “ótimo” de alguns
não são necessariamente o ótimo de outros.
O “ótimo”
que se busca na verdadeira aprendizagem conquistar é expressa pelo efetivo
trajeto que o aluno conquistou, pela diferença entre onde chegaria sozinho, e
até onde foi possível chegar pela intervenção do mestre.
Constituiu,
entretanto, um erro acreditar que uma avaliação através de paradigmas “ótimos”
constitua procedimento que envolva o “sistema” e, portanto, que não cabe a este
ou aquele professor mudar, se o sistema não mudou. Essa visão representa
preconceito colonialista, ideia retrógrada que admite que tudo que vem para
mudar vem das autoridades constituídas, do poderoso “patrão”. Ora, o verdadeiro
professor será sempre patrão de si mesmo e se acredita que é chegada a hora de
livrar-se do preconceito retrógrado de avaliar através de conceitos máximos e
mínimos, assumindo como Vygotsky um novo conceito de avaliação por paradigmas
ótimos, jamais alguém será incapaz de impedi-lo e descobrirá o efetivo
progresso de cada aluno, mesmo tendo que expressá-lo através de um número. Um
professor que, em seus alunos, busca o ótimo, sabe de seus erros fazer
desafios.
UM NOVO
PARADIGMA PARA A AVALIAÇÃO
Uma
avaliação coerente é sempre a ideia central em todo processo de mudança.
Se, por
exemplo, meu objetivo é perder dois quilos em dez dias, somente posso saber se
a meta foi alcançada ou o processo necessita ser corrigido, se disponho de uma
boa balança. Mas, se a balança funciona para avaliação quantitativa e como ela
funciona também para outras medidas o termômetro, barômetros, relógios ou uma
fita métrica, torna-se bem mais difícil conceber um instrumento avaliador
preciso, para explorar mudanças significativas na aprendizagem. Talvez, a única
certeza que sobre esse tema se têm é de que não existe aprendizagem sem que
exista uma transformação. Uma coisa é ser capaz de guardar por algum tempo,
alguma informação na memória, outra coisa muito diferente é “aprender” e dessa
forma deixar de ser a pessoa que se era e ser capaz de fazer desse novo saber,
uma ferramenta para mais facilmente construir outros saberes. É, pois, no
sentido de uma verdadeira e significativa aprendizagem, que se procura buscar
um bom método avaliativo.
Celso Antunes e Luciane Sippert na Palestra "Novas Formas de Ensinar e Novas Maneiras de Aprender", Humaitá - RS. |
Talvez um
caminho coerente para essa busca seja uma análise da evolução humana e a
identificação de quais comportamentos desenvolvidos pela espécie, foram
efetivamente significativos para sua transformação. A humanidade saiu das
cavernas e hoje viagem pelo espaço, não porque isso estava programado em seus
genes, mas porque desenvolveu procedimentos significativos que a fizeram
evoluir. Dessa forma, sabendo quais são esses procedimentos e aplicando-os as
diferentes inteligências humanas, talvez se possa chegar a um instrumento
avaliativo se não perfeito, ao menos sem as aberrantes falhas de se dar nota às
respostas dos alunos.
A primeira
busca que se acredita pertinente para a criação desse instrumento é indagar,
pois, quais procedimentos são e foram comprovadamente úteis para a evolução da
humanidade. Um exame atento dos desafios enfrentados e dos resultados obtidos
leva-nos assim a quatro ações que, naturalmente, podem ser desdobradas em
muitas outras. Não se chegou onde estamos sem a capacidade de PLANEJAR, sem uma
relativa RAPIDEZ para colocar em ação o planejamento e assim superar os
inimigosuma VERSATILIDADE para ajustar os dois primeiros itens a nova e
diferentes situações e para improvisá-lo quando ocorrência inusitada se abatia
e, finalmente, sem uma necessária COOPERAÇÃO entre os membros da espécie. Essa
ideia abarca a descoberta de soluções para problemas, a lógica dessa solução, a
harmonia para perpetuar essa conquista e a certeza de que a força coletiva é
sempre imensa quando canalizada a um mesmo objetivo.
Toda a
essência que Darwin nos propõe se sintetiza nessas ações, mas a sofisticação da
linguagem que viver no mundo de agora nos impõe, admite que essas ações possam
distribuir-se pelas diferentes inteligências humanas. A capacidade de planejar
um texto, uma palestra, uma aula ou uma excelente argumentação jurídica, por
exemplo, não significa competências similares à de se planejar a construção de
uma casa ou a fabricação de um foguete e por isso, essas ações necessitam se
refletir as inteligências LINGÜISTICA, MATEMÁTICA, LÓGICA, ESPACIAL, SONORA,
SINESTÉSICA, NATURALISTA E PESSOAL.
Se, agora
pensarmos uma sala de aula convencional e um aluno que, independente da série
que frequenta, necessita ser avaliado de forma coerente, pois se ali está, está
para que se apure como pode se transformar, transformando o mundo, basta cruzar
ações e inteligências e se aferir seu efetivo potencial. Por exemplo: Guilherme
encontra-se acima da média de seus colegas na capacidade de planejar, no poder
de transformar seus planos em projetos, na sutileza em adaptá-los e na busca de
companheirismo para colocá-lo na realidade através de uma expressão
linguística, e Luciana pode tanto quanto Guilherme através de uma expressão
corporal. Conclusão: Guilherme e Luciana são alunos acima da média e estão
prontos para evoluir. É irrelevante para Guilherme, a competência espacial,
pois para isso ele pode contar com Luciana, e é irrelevante para Luciana a
competência linguística. Afinal de contas, ambos descobriram a força da
cooperação.
PLANEJAMENTO
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RAPIDEZ
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VERSATILIDADE
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SOLIDARIEDADE
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LINGUÍSTICA
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LOGICA
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MATEMÁTICA
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ESPACIAL
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SINESTÉSICA
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SONORA
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NATURALISTA
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PESSSOAIS
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AC – ACIMA
DA MÉDIA / MC – MÉDIA DA CLASSE / ABAIXO DA MÉDIA
Diante
desta referência, cabe uma questão: Como se enquadrar nessas referências os
saberes escolares, os conteúdos explícitos de cada disciplina?
É evidente
que toda ação requer informação. Sem a mesma, é impossível manifestá-la. Desta
forma, todos os conteúdos apresentados aos alunos o seriam sobre a forma de
situações problemas multidisciplinares, para que pudessem municiados por essa
informação, colocar em ação as suas quatro competências e suas diferentes
inteligências.